A grande diferença

As diferenças entre o trabalho que tenho agora e os que tive antes são abismais. A que mais me marca, a grande diferença, é a taxa de mortalidade. Durante 8 anos que trabalhei em pediatria nunca nenhuma criança ou bebé morreu num turno meu. Eu considerava-me uma sortuda. Neste emprego, em 4 meses já morreram 5 pessoas duas delas no meu turno. A faixa etária é completamente diferente, em média as pessoas de quem eu cuido agora tem 80 anos mais.
A morte é algo mais provável, mas não deixa de ser vivida por mim quase como uma experiência surreal.
6ª feira das 18:30 da tarde tinha eu preparado algo para a senhora comer. A minha esperança era conseguir que a senhora comesse qualquer coisa. Enchi-me de esperança e carinho e dirigi-me ao seu quarto. Ao vê-la achei que algo não estava bem, aproximei-me a cor da sua pele era diferente, não respirava e eu não conseguia sentir um pulso. O meu lado racional chegou à conclusão de que a senhora estava morta. Mas o meu lado emocional, ainda negava a realidade. Pensei "não Silvia é mentira tu é que estás cansada e já não consegues avaliar as coisas". Fiz uma corrida estúpida e sem propósito a ir buscar o estetoscópio, porque queria arranjar algo que me mostrasse que eu estava errada que era o cansaço que não deixava avaliar bem. Ao colocar o estetoscópio sobre o coração, a ausência de som, sugou-me toda a pequena esperança que eu tinha, fiquei instantaneamente triste, com a alma bem encolhidinha a um canto.
Eu queria parar, ficar quieta, porque a morte é uma paragem. mas à minha volta tinha 20 pessoas que precisavam de atenção. Que precisavam de comer, de ir à casa de banho, de saber se a saia azul estava pendurada no armário, etc etc...
Apesar de tudo a outras pessoas continuam a precisar de ser cuidadas com o mesmo carinho, a mesma atenção, o mesmo sorriso de sempre... A morte, por um lado, relativiza ou anula a importância das coisas, tira-lhes valor. Mas por outro lado, devia chamar-nos atenção, para dar-mos importância a determinado tipo de coisas, para analisarmos e aproveitarmos, o que realmente importa e isso é diferente de pessoa para pessoa!